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Escrevendo “A Entrega”

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Recentemente publiquei um conto na coletânea Space Opera em Quadrinhos, da Editora Draco. A sinopse oficial é a seguinte:

Quando Alba Souto, a última terráquea viva no espaço, decide voltar a Terra e contrata Lara, sua neta, para levá-la, cria uma situação embaraçosa para Elda, mãe de Lara que não via a filha há 15 anos. Mágoas antigas, traficantes e fugas inesperadas são o caldo dessa road story em que três mulheres contestam e redescobrem os laços que as unem.

Com o deslumbrante desenho da Karolyne Bastos, foi uma história muito bacana de contar e bem gratificante, e o processo de fazê-la não foi um dos mais fáceis, mas acredito que foi um dos mais importantes aprendizados que tive e é sobre isso que quero falar.

Quando vi o chamado de submissão da Draco para a coletânea, eu fiquei bem empolgado pela chance de publicar algo. Escrevi uma sinopse rápida, conversei com um desenhista, o Lucas Albuquerque, combinei detalhes e prazos e em dois dias escrevi todo o roteiro de 20 páginas. Mandei pra editora e fui me concentrar em outros trabalhos mais emergenciais.

Tempos depois, veio a aprovação. Fiquei contente e, cheio de orgulho, pedi para o Lucas adiantar os layouts de página, letrei tudo bem rápido – e mal feito – e mandei para o editor, Raphael Fernandes. A primeira resposta dele foi: “que arte foda”. Isso me deixou equivocadamente seguro, então, mais calmo, deixei tudo de lado e dei sinal verde pro Lucas fazer as páginas.

Nem tudo são flores…

Por alguma razão, eu acordei no meio da noite do mesmo dia da resposta e, como todo ser humano conectado ao semi-neuromancer de nossa realidade, liguei o celular. Raphael tinha feito uma bíblia de comentários sobre meu roteiro e iniciou uma conversa pelo facebook que começou com “Querido, Luís! Acabei de ler a história e fiquei puto da vida.” – Senti aquela incômoda cutucada no ego e, por alguns instantes, alguma raiva do Rapha, mas… o cara era experiente o suficiente para ver com clareza quando um roteiro tem algo de errado. Assim, coloquei um profissional no lugar de narciso e decidi ler com atenção tudo o que meu editor dizia.

Resumindo: faltava sentimento na edição, faltava drama e emoção. Tudo aquilo que eu digo que uma história deve ter. Era eu traindo meu pensamento por um único objetivo: publicar-se. Mas contar histórias não é sobre isso. Publicação é consequência. Contar histórias é sobre falar de algo dentro de si, de uma coisa que o angustia, de uma dor que não passa, de uma alegria que te contamina. Eu tava indo na direção contrária disso e sendo um idiota ao fazê-lo.

Com toda paciência e benevolência, Raphael me deu um prazo de 10 dias e umas 5 plots que eu poderia usar dentro da minha proposta inicial. Ainda carregado de certo egocentrismo, tentei me manter na minha primeira ideia: um grupo de coyotes espaciais que recebem a incumbência de deixar uma velhinha na Terra (e que vocês podem ler aqui e julgar por si mesmos como está ruim hehehe). Parecia legal, mas me perguntei: sobre o que eu realmente quero falar?

Voltando aos estudos

De todas as ideias que Rapha Fernandes tinha dado, um road movie/drama familiar era a que mais me chamava a atenção. Como o prazo era minha maior preocupação, deixei de lado a ideia de fazer algumas entrevistas com as pessoas da minha família e procurei filmes com as “tags” que eu precisava. Me deparei com os três a seguir:

LA JAULA DE ORO (Diego Quemada-Díez, 2013)

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Procurei um road movie fora do eixo USA, apesar de meu primeiro pensamento foi rever Transamerica, por ser um filme que fala sobre conflitos familiares. No entanto, A Jaula de Ouro tem um elemento que me interessava: fronteiras. Na minha concepção, mesmo no espaço, os seres humanos encontrariam maneiras de criar barreiras e dividir pessoas em grupos: etnias, raças, classes, gêneros etc. O filme fala bem sobre como a busca por uma vida melhor é uma jornada de perdas e essa ideia influenciou bastante o corte final do roteiro.

AUGUST: OSAGE COUNTY (John Wells, 2013)

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Álbum de Família era um filme que estava na minha lista há um bom tempo, principalmente porque eu sabia que ele se comunicava fortemente com minha própria família. Ele foi minha primeira escolha, apesar de ter sido o último filme que vi antes de escrever A Entrega. Nele tem tudo: abandono, reunião de família, tomada de responsabilidade, predileção, mágoas antigas, segredos revelados… Era o caldo que eu precisava. Alba, apesar de ser fortemente inspirada em minha avó materna, tem a atitude e postura de Meryl Streep nesse filme.

LEMALE ET HA’HALAL (Rama Burshtein, 2012)

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As três personagens de minha história, Alba, Elda e Lara, são respectivamente inspiradas em minha avó, mãe e irmão – mais nas relações e problemáticas que tem entre si do que realmente em suas personalidades (que acabam por ser combos modulados dessas pessoas, Lara, por exemplo, possui características de minha mãe e irmão). Na minha visão, quando se toma essa decisão de retratar gentes muito próximas, cai-se na armadilha de não deixar claro para o leitor quem e como essas pessoas são, pois estar no meio disso pode tornar tudo muito óbvio pra si e não pra outro – então é importante procurar como retratar isso pela lente de outro, vendo o que foi feito antes para poder aprender a fazer por si mesmo. Assim, Preenchendo o Vazio me interessou pelo título, que, de alguma forma, sintetizava o que eu tinha em mente para Elda. Fui surpreendido pela película, cuja personagem principal, Shira, me explicou direitinho como eu tinha de apresentar a minha.

Estudos feitos (que duraram um dia), era hora de voltar a escrever.

Seguindo modelos e montando a equipe

Decidi que dessa vez eu escreveria o roteiro sem aperreios, aproveitando o prazo dado pelo editor. Fiz o argumento, estruturei a escaleta e fui escrevendo com cuidado, sentindo os personagens, o rumo da história, pensando bem nas páginas, viradas e quadros. Tentei não ficar duvidando do que eu estava fazendo, me permitindo errar e rever o erro durante a revisão do roteiro. Ao fim, eu não sabia se tinha um bom roteiro em mãos, mas com certeza havia me divertido executando-o.

Por conta dessa reescrita e dos prazos apertados, Lucas teve de se retirar do trabalho. O que pareceu uma complicação, no entanto, acabou por ser uma tremenda oportunidade. Rapha fez uma chamada de artistas mulheres pra assumirem os desenhos, e de todas que mandaram portfolios e fizeram testes, o trabalho da Karolyne Bastos era o que – pra mim, desde o começo – melhor se comunicava com a história. Era a primeira vez que eu fazia um roteiro antes de saber que desenhista iria assumi-lo e eu acho que o resultado ultrapassou minhas expectativas: parecia que eu tinha feito o roteiro pra Karol!

E as lições?

Eu já tinha trabalhado com editoras antes – inclusive com a própria Draco, na Imaginários em Quadrinhos Volume 4 – mas sempre houve muita liberdade e (de certa forma) segurança e eu nunca vi desvantagem nisso. Ter meu excesso de confiança “quebrado” pela mão editorial foi muito importante.

O meio de quadrinhos muitas vezes acaba olhando pra si mesmo: vive-se numa bolha de amigos que estão dispostos a negar tuas falhas com medo que, ao expô-las, tu deixe de produzir (só pra citar uma razão). O problema disso é o autor ficar cego para os próprios problemas – dentro da história ou na forma de concebê-la. Ter alguém (principalmente um editor) que esteja disposto a apontar seus erros e sugerir formas de contorná-los, te fazendo aprender com a crítica e acreditando que você poderia ir além do “bom”, é uma sorte inominável, ainda mais se você é um autor que está começando.

Outra lição que tirei disso – e que se tornou meio que minha filosofia – é parar de produzir visando qualquer coisa além do fim. Não sou mais tão rápido quanto antes, mas não há um dia sequer que eu não escreva uma única linha (ou leia um livro/revista/artigo/bula, ou veja um filme/série/curta/clipe), tentando me concentrar no que eu estou contando, nas vidas que estão se revelando ali. Talvez eu fique um pouco atrás na “corrida da publicação” (se é que ela existe), mas eu sei que estou produzindo trabalhos que me dão prazer e que são sinceros sobre como penso – até porque, no fim, a sinceridade é tudo o que nos resta.

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