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Contando Histórias Longas


Quem tem me acompanhado no Instagram deve ter percebido que a maioria das minhas publicações foram de histórias curtas. JJ Marreiro e Daniel Brandão certa vez me disseram que se alguém consegue escrever uma boa história de quatro páginas, consegue escrever uma boa história de 200. Apesar de tal conselho ter sido essencial pra mim - e acredito que ainda serve pra maioria dos jovens quadrinistas - ele não é necessariamente verdade. A história curta nos exige velocidade de objetividade, além de soluções narrativas e argumentativas que digam muito com pouco. Quando se entende e se pratica isso, acaba-se por desenvolver um texto direto, controlado e resumido, assim, por mais funcional e didático que isso seja, nem sempre serve ao trabalho longo.


Pareceu-me meio óbvio, então, que eu deveria estudar um pouco mais antes de realmente começar a escrever algo. Tais estudos envolviam encontrar uma estrutura, um modelo textual em que eu pudesse me adequar para, enfim, produzir o trabalho que eu queria - e é sempre importante dizer que eles nunca vinham sozinhos ou “repartidos” da produção: tem muito escrever, errar, escrever de novo durante o processo de aprendizagem.


Li livros, fiz cursos, mas, principalmente, consumi muitas obras: quadrinhos, livros e séries principalmente. Procurei entender como as coisas se relacionavam no geral - quais eram os pontos importantes, os definidores, e o que tinha no meio que “moldava” o todo. Daí, fui “roubando” modelos de feitura e montei meu próprio, compreendendo no processo o que servia pra mim.


Dessa forma, cheguei ao seguinte resultado:


1. PASSO 1: A IDEIA


Não é a primeira vez que falo isso, mas acho que tudo parte de uma “ideia-base” - que em diferentes obras vai ser interpretada por diferentes nomes, como pensata, plot, tema, conceito etc. - que serve de alicerce para o desenvolvimento do personagem e norteia a trama. A partir dessa ideia-base eu vislumbro o fim da história: por exemplo, e de forma bem simplista, se quero que minha história fale sobre “paternidade” (ideia-base), eu penso como o personagem pode estar alinhado com isso no começo e como ele estará no fim e crio uma “curva de desenvolvimento” (ou de ação ou narrativa etc.), me utilizando de vários elementos que rodeiam essa ideia - presença, cuidado, exemplo, ensino (positivos) ou abandono, desconhecimento, influência, vícios (negativos) - e colocando-os como desafios e ajudas em uma roupagem simbólica-metafórica. Assim, se eu quero mostrar que um pai é ruim (final da história), eu posso começar apresentando isso e durante a história colocar desafios para que ele tenha a chance de ser um bom pai, mas sempre os negando - ou o contrário, posso começar apresentando-o como o melhor dos pais, mas minando sua paternidade com desafios que o levam a aceitar essa paternidade negativa. Claro, isso é só uma entre inúmeras possibilidades de se trabalhar o tema.

Saving Mrs Banks, The Royal Tenenbaums e Monsters Inc. se eu dissesse que esses três filmes tem "paternidade" como ideia-base, você acreditaria?


É comum num “manual de roteiro” sugerir que o personagem no fim tem de ser diferente do começo. Não concordo tanto com essa ideia e acho que vale sempre tentar surpreender o leitor “não mudando” o personagem - no entanto, acredito demais que é importante dinamizar a trama com o protagonista enfrentando a mudança, aproximando-se mais ou menos dela - o filme Young Adult segue esse tipo de narrativa e acho que funciona muito bem. A mudança também pode vir a ser o ambiente em que ele está, como na maioria dos filmes do James Bond.


"Young Adult" é de Diablo Cody, roteirista de "Juno". Todos os filmes de Cody mereciam ser revistos, ela visita gêneros consagrados por fórmulas fixas e faz leituras modernas, atraentes e que nos fazem pensar.

De qualquer forma, uma vez eu tendo o “começo” e o “fim” conceituais da minha história, eu inicio um tipo de “resumo” de forma completamente despojada e sem me conter ou censurar. Todas as minhas ideias são postas no papel num estilo de escrita que se parece mais com uma conversa entre amigos. Essa etapa costuma ser a mais divertida e, não raro, a que eu fico mais tempo produzindo: posso levar meses nesse resumo, o qual, por sua vez, contém detalhes de fala, notas de rodapé, descrições diversas (ou descrição nenhuma) e por aí vai. Esse pré-texto é minha verdadeira bússola na produção literária.


2. PASSO 2: O ESQUELETO


Depois de ler vários materiais, teve uma coisa que me pareceu meio que “gritado” nas entrelinhas: a necessidade de limitadores. Zé Wellington tinha me falado isso mais de uma vez e eu era bem reticente com a ideia - “como assim ‘me limitar’?” - mas saber previamente o número de páginas, formato, se vai ter cores ou não, qual público se visa atingir, como e quando a obra vai ser vendida etc. é deveras importante pra saber como se vai produzir: manter as ideias em alta e os pés no chão. Quando se é um autor que trabalha com um editor ao lado, essas preocupações ficam na mão deste último, mas quando se é independente, ter essas linhas gerais evitam retrabalhos e equívocos, principalmente em obras de quadrinhos, em que cada página finalizada deve estar mais próxima o suficiente do esperado para evitar “refações” (esse neologismo maravilhoso gestado em ambiente publicitário).


Uma curiosidade: Lâmina Azulada é um quadrinho que vai ser produzido através do Edital de Incentivo às Artes, promovido pela Secretaria de Cultura do Ceará, e todos esses pontos limitadores são importantes ao edital na feitura de seu Plano de Trabalho, um instrumento que mostra à Secretaria que há uma organização e planejamento acerca do projeto para acompanhamento/mapeamento do mesmo.

Nesse ínterim, ter essa projeção ajuda na revisão do “resumo” gerado no PASSO 1: uma vez você tendo os limitadores em mãos, é possível saber o que entra e o que sai, o que deve ser abordado e a linguagem utilizada para tal. Assim, há uma “peneira” no projeto inicial e o plano como um todo fica mais fácil de lidar. O que nos leva ao PASSO 3…


3. PASSO 3: A PRODUÇÃO


Sabe nos filmes quando os escritores geniais e fantásticos passam horas ininterruptas produzindo com uma gana sobre-humana suas obras-primas? Bem, possivelmente eles estão fazendo o PASSO 1, porque no PASSO 3 existe um processo quase “mecânico”, o que o torna muitas vezes chato - apesar de, particularmente, eu achar bem mais rápido e fácil de lidar. Em termos de quadrinhos, quem já leu um roteiro pode imaginar como ele é massante e cansativo: Indicação de páginas + indicação de quadro com descrição + falas e efeitos sonoros naquele quadro. Importante ao roteirista, inclusive, conter o ego e evitar “arroubos literários”, tendo em vista que parte de seu “texto” vai ser completado pelo trabalho do desenhista, então é importante se manter numa linguagem direta, apesar de não restritiva.


Assim, o PASSO 3 é o mais próximo do “produto final” - nele, as “ideias” se encontram no “esqueleto”, o resumo se torna texto concreto (literário ou pragmático) e finalmente a obra tem uma “face” - mesmo que depois passe por revisões e mesmo adaptações. É nesse passo que “as regras/etapas/processos” definidos em livros de escrita e roteiro são empregadas e, não raro, funcionam como modelos para um texto melhor adaptado ou como potencial "subversivo", com autores que procuram surpreender as expectativas apresentando soluções inesperadas às sugeridas nos manuais.


É engraçado dizer que, não obstante os passos serem descritos e apresentados de forma linear, na realidade, nem sempre é assim - ainda que o método venha a ajudar muito a por as coisas nos trilhos quando tudo parece ter se excedido: ideias ou execuções - no geral o que acontece é um misto de ações que vão e voltam nesses processos em pontos em que eles sejam mais adequados.


No meu caso em especial, ao encontrar esse método eu me senti mais à vontade de trabalhar com histórias longas. Lâmina Azulada terá 80 páginas de quadrinhos, algo bem ousado pra mim, que costumava trabalhar com 4 a 20 páginas - o método me ajudou a converter meu texto em capítulos, mas sem perder de vista o todo. Trabalhar com o resumo no primeiro momento me deu mais segurança em toda a história que eu queria contar, definir o esqueleto (número de páginas, formato) fez com que eu optasse por uma história em episódios/capítulos (tal qual uma série), sabendo o máximo e o mínimo de páginas que eu deveria ter e não me distanciando tanto da prática que eu tinha (histórias curtas).


Bem, e o resultado disso poderá ser visto em breve. Até lá, que tal mais algumas páginas de preview?






E aí, o que estão achando dos textos? Bons, enriquecedores, interessantes ou mais do mesmo? Comentem na publicação ou troquem uma ideia comigo pelo Instagram, quero saber a opinião de vocês e o que esperam do trabalho. Deem dicas, perguntem sobre processos ou pela obra em si. Vai ser legal saber como está sendo pra vocês conhecerem esse trabalho.


Até a próxima.

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