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Você não sabe? Eu sou revisor.

Incrível, mas ainda me impressiona a relativa incompreensão das pessoas com o ofício de Revisar.

Trabalho na área há alguns anos. A revisão me abriu portas em escolas, agências de publicidade, quadrinhos e universidades, tornando, em pouquíssimo tempo, minha experiência riquíssima e meu currículo (modéstia a parte) relativamente invejável. Paralelamente, eu sempre revisei monografias, artigos para jornais e revistas, livros e traduções etc., trabalhos freelas que também ampliaram minhas compreensões dentro da linguagem escrita.

O engraçado é que todas as empresas que me contrataram sabiam que tinham de ter um revisor, mas não entendiam bem para que ele servia ou o que ele fazia. Na verdade, à primeira vez eu mesmo não sabia, apesar da sorte de ter aprendido já em meu primeiro emprego (com Neide, minha primeira chefe e mestra no ofício). Chegando na publicidade, minha percepção do trabalho de um revisor se tornou bem maior, na verdade, não muito diferente das primeiras diretrizes que recebi, mas desenvolvi uma série de informações, esquemas, técnicas e didáticas que acrescentavam e ampliavam tudo o que primeiro me ensinaram.

Revisar, agora explicando o que seria isso, é mais que identificar discrepâncias semântico-sintáticas, como é popularmente conhecido, mas é trazer um olhar coeso-crítico ao texto analisado. O revisor, também um escritor e/ou artista crítico, apresenta soluções e saídas narrativas e/ou textuais, sempre com o objetivo de fazer com que o texto seja mais palatável ao público ou mais coeso dentro da proposta do escritor. Alguns revisores também são responsáveis pela validação da pesquisa (no passado, era um tipo muito comum em revistas ou jornais, principalmente quanto às entrevistas), ou seja, eles têm de verificar se as informações e coisas tratadas no texto são reais, válidas e comprovadas.

Quando em textos longos, como em biografias ou romances, o revisor muitas vezes toma o lugar de um segundo escritor, ou um escritor-modelo, que faz de tudo para trazer sugestões válidas que garantam que o escritor original consiga manter sua voz em todas as etapas do texto. Algo como um grilo-falante do escritor, que tenta colocá-lo no caminho correto de seu próprio universo.

O revisor também vê além do texto. Ele analisa espaçamentos, adequação do design (lógico, dentro de um modelo predeterminado), ordem de títulos, coerência visual, ajuste às regras estabelecidas pela empresa para existência daquele documento, nomes de envolvidos etc. Ele é meio que um fiscal do “documento textual”, não simplesmente o indicador das incoerências textuais. Não raro, em monografias, muitos revisores são procurados também como diagramadores dentro do formato exigido pela ABNT.

Fazer-se revisor também não é fácil. Antes de tudo, o revisor é um escritor. Assim como um arte-finalista precisa saber desenhar, um escritor precisa saber escrever. Academicamente, cursos como Letras, jornalismo e outros na área de comunicação podem garantir as bases técnico-científicas para alguém interessado na área, pois um dos vários focos desses cursos é o desenvolvimento da capacidade de escrita.

Segundo, um revisor precisa ser um bom leitor. Quando falo isso vou além do mero ordenamento de palavras ou da clássica leitura discursiva (ou da impensada quantidade de texto), mas da capacidade de se perceber que algo está errado mesmo quando não se está lendo com afinco. Na maioria das vezes a revisão envolve ler toneladas de páginas de algo chato ou desinteressante (escrito de forma chata e desinteressante) em um tempo emergencial, então ter bem desenvolvidas as capacidades de scanning e skimming se torna uma obrigação, e mesmo quando se tem tempo para se debruçar sobre o texto, ter uma treinada “visão periférica”, percebendo detalhes além do óbvio, é essencial. Conhecer o modelo de vários textos também é essencial: como se faz uma carta? E um manual de instruções? Uma resenha, um artigo, uma bula de remédio? Quanto mais “tipos de texto” o revisor conhecer e dominar, melhor ele será.

A profissão, no entanto, é esquecida. Não raras vezes diminuída e deixada de lado, lembrada somente quando o inesperado erro salta como saci, como bem avisara Lobato (também um revisor, apesar de ser lembrado somente por sua profissão de luxo). Não existem prêmios para revisores, ou sindicatos, ou uma lista dos 10 melhores (e mais ricos) do mundo, ou cursos de alto gabarito, disputados a tapas por gente ávida pelo status e salário de um revisor. Mesmo assim, é a criatura desejada, necessária à vida moderna mesmo nas coisas mais simples. Depois das redes sociais, então… todo mundo gostaria de um revisor à tiracolo e acaba tendo de se contentar com os corretores de celulares, tão arrogantezinhos e seguros de si.

Espero, com esse texto, trazer um esclarecimento sobre o trabalho do Revisor e pedir, encarecidamente, que quando vocês estiverem em suas leituras, percebam que aquela linha bem estruturada ou aquele texto bem adaptado do original ou aquele personagem que realmente fez sentido durante a trama foram obras sim de um escritor dedicado, mas foram igualmente o resultado de um revisor laborioso. Com isso, agradeçam-no (baixinho mesmo, meio que com vergonha, mas de coração) por ter deixado sua dourada leitura um pouco mais brilhante.

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