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O Segundo Narrador - Encontrado a Equipe: Parte 02

Atualizado: 22 de jun. de 2019


A primeira vez que vi o trabalho do Rafael Dantas eu estava fazendo o letramento de uma edição do grupo de heróis Invictos, criado pelo Rafael Tavares. Foi meu primeiro trabalho pago com letramento (até onde lembro) e eu queria fazer bonito, então passei muito tempo conversando com Tavares, tentando entender seus heróis e revendo muitas artes além das páginas que eu deveria letrar. Uma dessas, uns estudos de um garoto e um alienígena, chamaram minha atenção mais do que as páginas que eu estava letrando. Eram trabalhos do Rafa Dantas.



Não sei quem foi o primeiro a dizer isso, mas a primeira vez que li algo a respeito veio de Will Eisner:


"Os artistas possuem as identidades de seus locais de origem."

(Não foram exatamente essas as palavras, mas meu filtro pessoal prefere manter assim)


A arte do Rafael D. tem uma identidade nordestina muito forte. O contraste do preto no branco, o traçado forte, pesado, as texturas que parecem roubar um pouco do cordel… estou procurando argumentos, mas a verdade é que isso tudo é muito pessoal, muito abstrato pra justificar de forma concisa. O melhor que posso dizer é que eu sinto meu Ceará (reforço no possessivo) no desenho do Rafael e quando eu o vi a primeira vez eu imediatamente sabia que queria trabalhar com ele, que um roteiro meu deveria ter seu desenho. Eu tinha essa certeza tão forte em mim quanto eu poderia ter se eu mesmo desenhasse meu trabalho.


Mas tudo segue um caminho próprio e os planetas devem girar um bocado antes de se alinharem.


Depois d'Os Invictos, eu me tornei consideravelmente ativo na cena dos quadrinhos cearenses - falei um pouco sobre isso aqui - a ponto de chamar um pouco a atenção do próprio Dantas.


Quando fizemos nosso primeiro contato, acredito que entre meados de 2014, à época da Feira do Empreendedor, ele estava divulgando seu quadrinho, Mandacaru Vermelho, a história de um ex-soldado da Coluna Prestes em busca de vingança contra um coronel. Fiquei apaixonado pelo trabalho o que só confirmou minha primeira impressão. Melhor ainda foi o quanto nos demos bem. Rafael é um cara de gostos simples, de companhia agradável, e com um coração enorme. Você pode passar horas ouvindo ele contar suas histórias de vida e rindo tanto da narrativa quanto dos “mungangos” dele. Uma das pessoas mais sinceras e de coração leve que conheço.


Mandacaru Vermelho ganhou até um teaser. Confere dando o play aí em cima.


Depois de trocarmos algumas palavras, Rafael me falou de seu projeto Qomics, que procurava disponibilizar quadrinhos para leitura online por um preço de assinatura aceitável - como Netflix, pra ser mais simples. Ele tinha uma pequena equipe e eu me interessei bastante pela ideia e perguntei como poderia ajudá-lo. Ele conseguira alguns direitos de publicação de títulos italianos e precisava de alguém para rediagramar e traduzir pro português (os gibis vinham em inglês), bem como adaptar textos de contratos e o próprio site para inglês. Aceitei o convite e começamos a trocar e-mails.


As coisas possuem um certo zeitgeist, pra se utilizar de uma expressão chic, e a ideia de Dantas nasceu também em outras cabeças. Mais ou menos na mesma época, o Cosmic, do Ramon Cavalcante e do George Pedrosa, fazia seus primeiros testes de um aplicativo com a mesma premissa, bem como o Social Comics surgia já apontando pra grandes parcerias, como o Omelete. Não vou aqui me debulhar em razões porque um ou outro se tornaram mais ou menos relevantes, porque não é minha pretensão e o resultado é facilmente encontrado online. A questão é que, com o “vácuo” deixado pelo Qomics, Rafael pode se concentrar em projetos mais pessoais, como o quadrinho Cavaleiro Avante.


Fácil de encontrar online, Cavaleiro Avante teve seu argumento pensado pelo filho de Rafael, João Lucas, e Dantas queria publicar de alguma forma. Assim, ele me perguntou se eu toparia adaptar as várias ideias do pequeno num roteiro de 20 páginas. Aceitei na hora, além de ser uma boa oportunidade pra trabalhar com Rafael, a ideia do Lucas era realmente boa.


A experiência de Cavaleiro Avante colocou eu e Rafa na mesma sintonia. Estávamos preparados para ir pro FIQ e pra CCXP de 2015, mas as várias ocupações de ambos e o tempo reduzido nos colocaram com um prazo “impossível”: eu terminei o roteiro um pouco antes do FIQ (ou seja, a edição não tinha como ser aprontada pro evento). Assim, só depois de voltarmos pra Fortaleza, Rafa pode trabalhar no título. Ele fez desenho e cores (junto com o Bikinho), Raul Peixoto cuidou de balões e letras e o Pedro Paulo da Arte Visual Gráfica cuidou da impressão. Tudo isso no tempo entre o FIQ e a CCXP, ou seja, foi um pouco mais de um mês pra parte “mais pesada” do trabalho. O resultado foi um dos trabalhos mais bonitos que dos quais mais me orgulho de ter participado.


Apesar do resultado, nossa ida pra CCXP não foi tão proveitosa quanto esperávamos. Estávamos cansados, bem mais despreparados do que desconfiávamos e tivemos mais gastos do que o previsto. No fim, o reforço da amizade e da parceria foi o melhor resultado da peleja.


Foi nessa época em que eu conversei com Rafa sobre a ideia da Lâmina Azulada e ele comentou comigo o quanto tinha vontade de fazer algo parecido, misturando elementos nordestinos, folclores e mitologias. Eu estava em vias de colocar o projeto em editais de cultura e disse que, se conseguisse, e ele aceitasse, eu já o incluiria no plano de trabalho, assim, eu teria como pagá-lo pelo serviço. Rafa abriu aquele sorrisão que é bem característico dele e me respondeu:


“Macho, eu faço é de graça, porque eu quero muito fazer mesmo. Fico é ofendido se tu passar pra outro”

Devolvi o sorriso e pronto, tava selado o acordo. Lutei para passar no edital de incentivo às artes durante dois anos seguidos (e eu prometo fazer uma publicação só sobre isso), assim o Rafa poderia colocar seu coração sem pesar tanto no bolso, mas mesmo que não desse certo, eu não o ofenderia procurando outro. Rafa assumiu o título como se fosse seu e se tornou meu segundo narrador (com Deyvison sendo o terceiro e sobre quem ainda vou falar, porque tem outras histórias interessantes aí). Lâmina Azulada se tornou um título tão dele quanto meu.


Estudos preliminares de Rafael Dantas para Euclides e Severino

Revendo dessa forma, fazendo esse retrocesso de relembrar esses detalhes, é interessante como o processo de se criar arte, de se comunicar, de conhecer e se ligar às pessoas pra fazer isso acontecer... como tudo isso é visceral, pessoal e humano. Na busca de encontrar um desenhista que servisse ao trabalho, acabei por encontrar um amigo, um irmão mais velho que me apoia e por quem tenho grande apreço, respeito e carinho.


Porque fazer arte é viver arte.

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