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Monólogos de um domingo em família

MONÓLOGOS

DE UM DOMINGO

EM FAMÍLIA


POR LUÍS CARLOS SOUSA

JUN/2017


ATO I – CENA I

M ENTRA.

M SENTA NA CADEIRA.

M ASSOA O NARIZ.

R ENTRA. FICA ATRÁS E À DIREITA DE M. COLOCA A MÃO SOBRE O OMBRO DE M.

U ENTRA. FICA ATRÁS E À ESQUERDA DE M. CRUZA AS MÃOS SOBRE A BARRIGA.

R

Nós, os primeiros filhos, celebramos e agradecemos a dádiva dos erros, pois fomos nós os primeiros a tê-los. A mãe não nasce mãe, então é preciso que ela erre para acertar: erre nos tratos, nas higienes, nos cuidados. Erre na presença e na ausência, na maneira de ensinar e na maneira de punir. O erro é importante porque demonstra o humano, o frágil.

U

Mãe nenhuma é forte até que erre e, por ele, aprenda. Quem condena, aponta ou julga o erro da mãe a usurpa das maiores lições do erro: a humildade e a resiliência. Porque somente errando você percebe que não pode, nem deve, acertar sempre, mas reconhe que o erro faz parte da caminhada do “não desistir” e que ainda é possível seguir.

APAGAM AS LUZES SOBRE R E U.

L ENTRA. FICA AO LADO DE R.

B ENTRA. FICA AO LADO DE U.

L

A nós, os segundos filhos, cabe celebrar a dádiva da partilha, pois outros já estavam quando aqui chegamos: aqueles que chamamos de irmãs e irmãos. Então os “meus” de alguma forma eram sempre “nossos”, os espaços serviam a todos, e mesmo quando tínhamos por direito ter aquilo que pertencesse unicamente a um, deveríamos pensar no impacto disso para todos, pois nossas liberdades eram imbuídas de direitos e deveres. Lógico, quem nos ensinou isso, por suas palavras e exemplos, foi nossa mãe, pois ela aceitou partilhar o tempo de sua vida conosco.

B

Suas lições por vezes vinham através da dureza de sua justiça, mas também pela alegria de sua presença. Ela que fazia de nossas conquistas individuais a felicidade de todos. Ela que nos lembrava que as dores de minhas irmãs e irmãos também eram a minha e é ela que constantemente nos recorda que durante nosso tempo de vida sempre teremos essa partilha. O resultado disso é que quando erro com minhas irmãs e irmãos, também estou errando comigo mesmo, assim como quando trago a alegria para a casa dos meus estou trazendo a minha.

APAGAM AS LUZES SOBRE L E B.

O ENTRA. SENTA NO CHÃO, À FRENTE DE U.

E ENTRA. SENTA NO CHÃO, À FRENTE DE R.

O

A nós, os terceiros filhos, coube celebrar uma das mais difíceis, mas também importante e inevitável lição: a do findar. Pois tudo algum dia parte. Quando chegamos, alguns já não mais estavam aqui, enquanto outros iam e voltavam, e mesmo nesse retorno acabávamos por perceber que o tempo deles não era mais conosco, nos dando sempre a certeza de que algum dia também partiríamos. Essa dura lição, no entanto, primeiro pesou em nossa mãe, pois é ela que fecha as portas quando as filhas e os filhos devem ir, pois não são mais eles que ela vê quando abre os olhos pela manhã, e não são mais suas palavras e braços que sentiremos quando o mundo nos golpear e testar. Essa partida é dolorosa para nós, mas ainda mais para ela, pois é quando a mãe descobre que não poderá mais nos proteger, confiando que nos ensinou que devemos errar para enfim aprender e partilhar para algo ter.

E

Assim, quando todas as nuvens passarem, findaremos. Contra nossa vontade e no limiar de nossos medos, findaremos. Mas antes que o findar realmente chegue pra cada um, o que primeiro nossa mãe ensina é que devemos “deixar ir”, que devemos nos desprender, que devemos deixar os outros seguirem. Pois no momento em que abrimos as mãos para os nossos irem, já os preparamos para nossa própria partida, dando a certeza a eles da alegria de nosso findar, pois erramos, partilhamos e findamos com e por eles.

ACENDE-SE A LUZ SOBRE R

R

E é uma grande dádiva dividir meu tempo na Terra com vocês.

ACENDE-SE A LUZ SOBRE U

U

E não há certeza maior no fim de que ele é só um prenúncio para um grande recomeço.

ACENDE-SE A LUZ SOBRE L

L

E em nós vocês sempre estarão.

ACENDE-SE A LUZ SOBRE B

B

As filhas e filhos se tornarão mães e pais, e as mães e pais, filhas e filhos.

M SE LEVANTA.

M

E tudo nunca deixará de ser e sempre se renovará enquanto continuarmos a ser: família.

APAGAM-SE AS LUZES. DESCEM AS CORTINAS.

FIM

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