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5 Pontos sobre “Monsieur & Madame Adelman”

Por puro descuido do destino, tive a sorte de assistir ao filme Monsieur & Madame Adelman – agradecimentos especiais ao Bruno Albuquerque por ser o ex-machina divino pra esse caso – e o filme me fascinou de muitas formas, e, por alguma razão (talvez o vinho, talvez a hora), eu não consigo organizar em um texto corrido o impacto que a história causou na minha mente. Assim sendo, resolvi separar cinco pontos interessantes acerca do filme que talvez esclareçam, com alguma qualidade, porque ele mexeu tanto comigo. Cuidado, pois tem SPOILERS!

Tempo e relacionamentos

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Talvez o principal elemento narrativo da trama inteira de MMA é o tempo. A história é contada por Sarah (magnanimamente interpretada por Doria Tillier, que também assina o roteiro) a um biógrafo que pretende fazer um novo livro sobre seu marido, o escritor de best-sellers Victor, tomando o relacionamento deles como ponto de vista – isso, no dia do enterro de seu “objeto de pesquisa”. Assim, a história remonta ao passado e segue a linha cronológica até o momento daquela conversa, dando saltos de menos ou mais anos quando necessário. Entre as muitas qualidades na escolha desse elemento, a que salta aos olhos é a mudança constante do casal: de seus amores, temores e rotinas. Seguimos o amadurecimento – em maior ou menor grau – dos dois protagonistas da sua juventude arrebatada à irremediável e amargurada velhice e tudo parece tátil e real, mas também teatral e intenso. Os personagens não se contradizem e suas caminhadas parecem lógicas mesmo no mais absurdo movimento. O tempo também é essencial para a conclusão do filme, a qual (talvez) falarei logo a seguir.

As vozes concorrentes


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Logo que Sarah começa a contar sua história com Victor, percebemos que a narrativa oral é uma e a imagética é outra – nisso está uma grande sacada da direção e do roteiro do filme: o jogo de “opostos complementares”. Em sua fala, Sarah não conta mentiras, mas também não revela verdades – e a imagem que o público vê segue essa mesma lógica, ora concordando e ora discordando de Sarah – tudo são pontos de vista e há tanto verdades quanto mentiras aí: em contradições que andam sempre de mãos dadas. Isso se permeia em vários momentos do filme: as classes sociais e tipos de famílias das quais vieram os protagonistas, as posturas ideológicas que eles sustentam ou mudam, a maneira como veem seus pares, a si mesmos – o “amor romântico” numa ciranda contraditória ao lado do tempo e da maturidade, procurando adaptar-se e refazer-se, mas sempre falhando de alguma forma porque ele não é eterno… – tudo são dois lados. Um dos momentos mais marcantes do filme vem desse jogo de opostos: Sarah e Victor estão lado a lado e em frente ao espelho do banheiro: ele, velho, inconformado, pouco confiante; ela: segura, bela, madura. Nisso percebemos, inclusive, que o movimento de vida de ambos é em direção oposta, mesmo que lado a lado.

O jogo interativo com o público

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Nessa dança dos contraditórios, MMA conversa de maneira muito curiosa com seu público: desde o começo ele entrega as ferramentas para que o espectador “descubra” o final de sua história, o grande pulo do gato, o esperado inesperado. No entanto, durante todo tempo, essas conversas contraditórias desviam a atenção, apresentando “regras” e “padrões” sociais que aceitamos sem discutir – principalmente os papéis de gênero se o espectador for homem – e que parecem ser o que são e pronto, imutáveis por conta de certo conformismo social e modelo patriarcal dominante que, o tempo todo, realiza a manutenção (discreta ou não) de seus privilégios. Ao fim, quando Sarah revela ser ela a autora dos mais bem sucedidos livros de Victor, todo o nosso posicionamento – patriarcal, misógino, conformista, privilegiado – é revelado/derrubado pois simplesmente o utilizamos para não ver o que estava à nossa frente. Digo isso porque, como homem, me senti enganado muitas vezes pela narrativa, e, ao fim, percebi que foram meus preconceitos e privilégios sociais/de gênero que não me deixaram ver aquilo que era óbvio o tempo todo – por isso acho interessante procurar resenhas desse filme e opiniões feitas por mulheres, seus pontos de vista com certeza serão bem diferentes e podem dar uma imensidão toda especial ao filme.

A apropriação de diversos gêneros textuais


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Um drama romântico num modelo de thriller investigativo e biografia ficcionada. Tentar encontrar um gênero textual “puro” para MMA é um trabalho um tanto penoso. Diga-se de passagem, a riqueza da direção está aí: em flertar e pegar elementos de todos esses gêneros e colocá-los nos pontos necessários à trama, costurando um Frankenstein com cara de Apolo e coração de Loki. Nada é à toa e, diferente do egocentrismo de Victor – um personagem deveras detestável – o filme não se narcisisa, e toma somente aquilo que precisa pra ser ele mesmo e contar sua história.

Técnica e atuação


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Eu não entendo muito de técnicas de cinema, mas – pensando como quadrinista – adorei os enquadramentos em vários momentos do filme: direcionando o olhar do leit… digo, espectador, pra onde deveria, mas deixando vazios importantes que servem de forma muito discreta a construção dos personagens. As cores do filme também são belíssimas e acompanham a passagem do tempo, apropriando-se da linguagem das décadas (o filme começa por 1970 e termina nos 2010) como um pano de fundo para os momentos vividos pelo casal – há um tipo de “aura” temporal que ambientaliza social e psicologicamente os personagens, tornando-os clichès dessas eras, mas nem por isso menos reais. A maquiagem, principalmente no cuidado da passagem do tempo, é fenomenal. Teve momentos que eu duvidei se os atores eram realmente os mesmos ou qual seria a idade real deles, tendo em vista o esmero da equipe de maquiagem. Pra finalizar, o elenco. Mesmo que outros entrem em cena, Doria e Nicolas Bedos (que também dirige o filme) brilham com naturalidade, carregando a trama de seus personagens como se eles mesmos a tivessem vivido, dando significativas vozes a eles. O que me faz pensar que uma adaptação para teatro seria muito bem recebida.

Procurarei pontos de vista diferentes do meu quanto ao filme. Sinto que me empolguei muito e posso ter ficado cego para uma coisa ou outra que merece uma acuidade discursiva maior. De qualquer forma, Monsieur & Madame Adelman é um ótimo filme e acredito que o tempo mostrará o quão clássico pode ser tão jovem obra.

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